Nesta semana, os americanos leram a edição 900 de Action Comics. Para
comemorar o impressionante marco de longevidade da revista, vários
escritores e desenhistas que já passaram pelo Superman se uniram para
contar o final de Black Ring, arco que trouxe Lex Luthor em uma busca
pelo poder supremo, e várias pequenas histórias comemorativas. E foi uma
delas que iniciou uma boa polêmica nos Estados Unidos.
Em uma história escrita por David Goyer (que escreve o roteiro de Man
of Steel), o Homem de Aço é criticado por um agente do governo por ter
participado de uma manifestação no Irã. Eis que, em contrapartida, o
herói renuncia à sua cidadania americana, afirmando que “verdade,
justiça e o modo de vida americano” não são mais o bastante e que o
mundo está completamente conectado.
Em uma época em que a direita americana duvida da própria nacionalidade do presidente e o escritor J. M. Straczynsk
escreve
um arco (Grounded) no qual o personagem vaga pelo interior americano, a
história de Goyer é um marco, mostrando a consciência de um herói
tipicamente americano de seu papel no mundo, o que se conecta aos boatos
envolvendo o longa do Superman, onde ele também terá um caráter
mundial.
É claro que a mídia (em especial a Fox News) e boa parte do público
americano (e até mesmo vários autores) já caíram com todas as armas em
cima dessa decisão. Em especial porque o herói é nada menos que um
imigrante. Vale lembrar que Clark Kent, sua identidade civil, é um
americano nativo (já que os Kent fingiram que ele é seu filho natural),
mas o herói sempre assumiu publicamente ser um alienígena, o que o torna
alguém que recebeu a nacionalidade americana.
(Em tempo, não lembro de ele ter recebido tal nacionalidade em alguma
história, mas a maneira como ele permanece no país e a forma como é
submetido ao governo – já teve que atuar, contra sua vontade, sob ordens
do presidente Lex Luthor, certa vez – demonstram que ele não é apenas
um estrangeiro com algum tipo de visto.)
Há sempre que se lembrar que em todos os países há uma grande
(grande, mesmo) classe de pessoas incapaz de interpretar um texto ou de
entender uma crítica a qualquer coisa que seja, inclusive a política
(experimente criticar algum político brasileiro, de direita a esquerda).
Em um país extremamente nacionalista como os EUA, claro que essa
classe é a mais ufanista possível, e desagradará bastante a posição do
Superman, de reconhecer que não pode se limitar ao país que o abrigou, o
que é um passo importante para um dos mitos mais importantes da cultura
pop mundial (embora, claro, seja muito mais forte por lá).
Esta não é a primeira vez que tenta-se desvincular o personagem do
país. Aliás, algumas das melhores histórias do Homem de Aço retiram-no
do seu contexto americano, como Red Son, ou outras, em que ele se
envolve em conflitos de escala global e espacial (eu sou fã de
carteirinha, por exemplo, do subestimado “Julgamento do Super-Homem”).
No entanto, há que se considerar que esta, como várias histórias de
edições comemorativas, onde há maior liberdade autoral, pode nem ser
válida para a cronologia. Além do mais, cada escritor acaba dando um
direcionamento diferente ao azulão.
Na fase de Geoff Johns, seguida por James Robinson, tentou-se
reforçar sua ligação com Krypton acima da ligação estadunidense, como o
fato de enaltecer ser um imigrante (daí usar um uniforme com as cores da
bandeira do seu planeta, deixando o simbolismo da bandeira americana) e
sua partida para Novo Krypton, chegando a ter que entrar em guerra
contra parte do exercito americano. Já Straczynski aborda,
exageradamente, seu “patriotismo”, em Grounded. Em sua fase, quase todas
as capas do principal título do herói trazem a bandeira americana.
A verdade é que o Superman alcançou um lugar muito grande na cultura
pop mundial e se tornou sinônimo de heroísmo. Um heroísmo que, para
muitos, já é datado, mas que é puro, pois traz o clássico herói
desprendido e com forte ética. No entanto, ele também é o fruto do sonho
americano, o garoto da fazenda do interior dos EUA que se torna o homem
mais importante do mundo (no Universo DC).
Não há como se separar os dois, o globalizado e o patriota americano.
Se querem manter a importância do herói, cabe aos escritores passaram
dessas discussões políticas e se aterem a como manter um homem como o
Superman num mundo que menospreza cada vez mais valores básicos como
família, verdade e humildade. Apesar de constantemente se apossarem
desses valores, eles não são típicos americanos, mas pertencem ao mundo.
Um mundo que os ignora, como está prestes a ignorar aquele que é mais
rápido que uma bala.
fonte:Felipe Pinheiro-Tarja Preta
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